domingo, 1 de junho de 2008

Extremos da Paixão

Na saliva.
No papel.
No eclipse.
Em todas as linhas
Em todas as cores
Em todos os jarros
Em meu peito
Fora. Dentro.
No tinteiro – nas dificuldades de escrever
No assombro de meus olhos. Nas últimas
linhas do sol (o sol não tem nenhuma linha) em
tudo. Dizer “em tudo” é idiota e magnífico
DIEGO em minha urina DIEGO em minha boca – em meu
coração e minha loucura. Em meu sono – no
papel mata-borrão – na ponta da caneta
nos lápis – nas paisagens – na
comida – no metal – na imaginação.
Nas doenças – nas vitrines –
em suas lapelas – em seus olhos – em sua boca.
Em sua mentira.

Frida Kahlo


Andei pensando sobre o amor, essa palavra sagrada. O que mais me deteve, do que pensei, era assim: a perda do amor é igual à perda da morte. Só que dói mais. Quando morre alguém que você ama, você se dói inteiro(a) – mas a morte é inevitável, e portanto normal. Quando você perde alguém que você ama, e esse amor – essa pessoa – continua vivo(a), há então uma morte anormal. O NUNCA MAIS de não ter quem se ama torna-se tão irremediável quanto não ter NUNCA MAIS quem morreu. E dói mais fundo – porque se poderia ter, já que está vivo (a). Mas não se tem, nem se terá, quando o fim do amor é: NEVER.

Pensando nisso, pensei um pouco depois em Boy George: meu-amor-me-abandonou-e-sem-ele-não-vivo-então-quero-morrer-e-quero-morrer-drogado. Lembrei de John Hincley Jr., apaixonado por Jodie Foster, e que escreveu a ela, em 1981: “Se você não me amar, eu matarei o presidente.” E deu um tiro em Ronald Reagan. A frase de Hincley é a mais significativa frase do amor do século XX. A atitude de Boy George – se não houver golpe publicitário nisso – é a mais linda atitude de amor do século XX.

Depois, pensei também em Adele Hugo, filha de Victor Hugo. Adele apaixonou-se por um homem. Ele não a queria. Ela o seguiu aos Estados Unidos, ao Caribe, escrevendo cartas jamais respondidas, rastejando por amor. Enlouqueceu mendigando a atenção dele. Certo dia, em Barbados, esbarraram na rua. Ele a olhou. Ela, louca de amor por ele, não o reconheceu. Ele havia deixado de ser ele: transformara-se no símbolo sem face nem corpo da paixão e da loucura dela. Não era mais ele: ela amava alguém que não existia mais, objetivamente. Existia somente dentro dela. Adele morreu no hospício, escrevendo cartas a ele numa língua que, até hoje, ninguém conseguiu decifrar.

Não compreendo como querer o outro possa tornar-se mais forte do que querer a si próprio. Não compreendo como querer o outro possa pintar como saída de nossa solidão fatal. Mentira: compreendo sim.

[Caio Fernando Abreu]


Bom, o plano foi esse: arranjar uma mulher bem parecida com o que era América quando nova. Aí, produzi-la tal qual me lembro ela estava, em nosso primeiro encontro. E quando América já estivesse nua, com as agruras de seu tempo explicitadas pelo corpo, essa mulher entraria no quarto, linda e jovem. Sabia como ela reagiria, mas eu não a deixaria partir, amarrando-a e trancando-a no quarto. Amordaçando sua boca com esparadrapo. E obrigando-a a assistir a mim comendo sua imagem.

No dia, [...] repassei com a puta os detalhes da operação. Principalmente o grand finale, quando ela mijaria em cima da velhota, ao som de minhas risadas.

Desamarrei América só meia hora depois que a puta foi embora. Ela se levantou, dolorida, e começou a catar suas roupas, para se vestir. Impedi-a disso, e joguei-a na cama, de bunda pra cima, caindo em cima dela em seguida. Ela abafou seus gemidos, ou eu estava muito bêbado para escutá-los. Quando terminei o serviço, deitado ainda sobre ela, falei em seu ouvido que ela estaria permitida a se retirar. Tão logo eu entrasse no banheiro para lavar a pica. Ela se limitou a balançar sua cabeça, mostrando entendimento. Eu me levantei e fui para o banheiro, deixando um dinheiro dentro da bolsa dela. Porque ela também merecia ter seu cu pago.

Quando voltei ao quarto, o quarto estava silencioso, chamando toda atenção para um bilhetinho. Escrito no papel de carta do hotel com letras trêmulas e um borrão de lágrimas:


João,

Terei muito tempo para imaginar o que fiz para merecer essa tarde de pesadelo e tortura. Mas já aceito minha punição como bênção e perdão. Levo comigo não o dinheiro, pois isso faria de mim uma prostituta, mas a certeza do seu mais profundo amor por mim. Sendo por esse amor que continuarei vivendo até o nosso próximo encontro. Meus beijos, contados, e muitos, para que você os tenha até daqui a vinte e um anos e quatro meses. Quando você poderá fazer de mim, novamente, o que quiser.

Sua América

[Fernanda Young in Aritmética]


Mas aí vem aquela vontade de dizer uma palavra. Qualquer coisa desde que compreenda. Desde que decifre. Desde que me decifre. Qualquer coisa que te cale para ouvir com a cabeça baixa e um sorriso na boca alguma besteira que falei. Eu acharia graça e sorriria também por perceber que essa coisa infantil presente em mim, não cresce nunca. Porque é isso que quero mesmo - nossos sorrisos, não a infantilidade. O pior é que no meio disso tudo vem o desejo de aprender sua forma de ser. Não me importo se é certo ou errado, desde que eu aprenda. Desde que eu decore você por inteiro. Desde que eu me cale para ouvir o seu silêncio e de cabeça baixa sorria por alguma besteira que você nem falou.

[S.Botelho]

3 comentários:

Anônimo disse...

"Porque é isso que quero mesmo - nossos sorrisos, não a infantilidade." Deliciosa esta frase! Obrigada por estes breves momentos de leitura gostosa que fazem a imaginação voar. O mágico em escrever é isso:poder interpretar o que se escreve de várias formas.
Beijos
Nanda Paetzel

Anônimo disse...

Minha amiga querida,

Tem uma música que cai perfeitamente com suas palavras sempre tão expressivas presentes hoje nesse post, creio que deve conhecê-la bem, ela diz o que ao menos alguma vez na vida desejamos dizer ao outro(a), ela diz assim:

"Como pode ser gostar de alguém
E esse tal alguém não ser seu
Fico desejando nós gastando o mar
Pôr do sol, postal, mais ninguém

Peço tanto a Deus
Para esquecer
Mas só de pedir me lembro
Minha linda flor
Meu jasmim será
Meus melhores beijos serão seus

Sinto que você é ligado a mim
Sempre que estou indo, volto atrás
Estou entregue a ponto de estar sempre só
Esperando um sim ou nunca mais

É tanta graça lá fora passa
O tempo sem você
Mas pode sim
Ser sim amado e tudo acontecer

Sinto absoluto o dom de existir, não há solidão, nem pena
Nessa doação, milagres do amor
Sinto uma extensão divina

É tanta graça lá fora passa
O tempo sem você
Mas pode sim
Ser sim amado e tudo acontecer
Quero dançar com você
Dançar com você
Quero dançar com você
Dançar com você."
Amado - Vanessa da Mata

Ela é um ótimo tema de fundo não é? :)
Beijos minha amada amiga!
Danny

Anônimo disse...

Ah, o amor!!!
Mil suspiros por essa página tão linda, principalmente o que vc escreveu.

Bjs,
Seu sempre
CR.